quarta-feira, 10 de junho de 2015

E no terceiro dia ressuscitou – Vamos falar de Transfobia?

No último final de semana a comunidade cristã brasileira, em especial a evangélica, viveu momentos de extrema tensão, ódio, ignorância e rancor. Palavras como “Cristofobia”, “Blasfêmia”, “Perseguição” e “intolerância religiosa” foram, sem dúvidas, os termos mais utilizados nos últimos dias.
Em ordem cronológica, o turbulento final de semana cristão teve inicio com aparente surpresa e satisfação, ao ver a midiática faixa de Neymar na final da Liga dos Campeões da Europa.

A efervescência de sentimentos, que já estavam latentes desde a veiculação de propagandas comerciais de uma determinada perfumaria, aqueceu-se ainda mais quando o jornalista Juca Kfouri, de maneira respeitosa, escreveu que não foi a religião escolhida por Neymar que o fez chegar ao maior título de sua carreira, mas sim sua qualidade individual e coletiva. Se o mérito pelo título fosse decorrente de qualquer religião professada, bastaria que um jogador da equipe adversária compartilhasse da mesma fé que Neymar, e o resultado de todos das partidas terminaria sempre em empate.

Entretanto, não foi esse o entendimento dos fiéis. Inquietos como se jamais pudessem ser contestados, pipocaram textos acusando o jornalista de perseguição religiosa e preconceito. Defendiam que Neymar tem o direito de professar sua fé (como realmente tem) e que não havia mal algum em sua atitude. Não atentaram-se, contudo, que na era da superexposição, Juca apenas alertou sobre a importância de se resguardar a intimidade. Por fim, não perceberam que a atitude de Neymar pode ser usada para justificar discursos de ódio, na tentativa legitimar a Islãmofobia na Europa.

Era apenas o início. A paciência cristã foi vencida ao domingo, após a parada do orgulho LGBT. Cristãos chocaram-se ao ver uma mulher transexual amarrada a uma cruz, em clara alusão à paixão de Cristo. A comunidade cristã se exaltou e esbravejou de todas as formas possíveis: “Blasfêmia”; “Desrespeito”; “Passaram dos limites” eram os dizeres dos mais contidos. Alguns, mais exaltados, clamavam pelo fogo dos céus e por justiça divina, quando na verdade queriam mesmo uma punição. Por fim, extrapolando os limites da razão, houve ainda os que asseguravam que ali estava a raiz de todos os crimes e males país. Neste dia, o batido jargão “odeio o pecado e amo o pecador” foi levado à prova, e não se saiu tão bem como o esperado.

Mas o motivo de tanto ressentimento não foi pela encenação da crucificação. Cristãos de todo o tipo orgulham-se ao falar que Cristo morreu por todxs, perdoando os pecados e liberando amor. O que ressentiu os Cristãos, em verdade, foi a personagem que representou Cristo. Dentre todas formas de preconceito e violência, a transfobia apresenta-se no Brasil como meio de extermínio de travestis e transexuais. Em nosso país, Mulheres e homens trans tem sua existência e direitos básicos ignorados pela sociedade, que insiste em ignorar as altas taxas de homicídio desse grupo com expectativa de vida estimada 35 anos (O Brasil é o país que mais mata travestis no
mundo). Ademais, esse grupo social, por encontrar obstáculos para conseguir educação básica e qualquer tipo de emprego, acaba por vezes, forçado a se prostituir, dando viés a um novo tipo de escravidão. Não bastasse as difíceis condições de vida, a sociedade como um todo, em um misto de preguiça intelectual, medo que desconhece, má vontade e/ou ignorância, insiste em confundir identidade de gênero com orientação sexual, resumindo, de maneira errônea, todos os grupos da sigla LGBT como gays.

Desta forma, a religião tradicionalmente machista (como muitas outras), apresenta seu viés transfóbico, na medida em que não aceita que uma mulher trans ocupe o espaço de representação de uma entidade divina, que também foi humilhada e espancado até a morte.

Sem voz ativa no movimento LGBT e tratadxs como inexistentes na sociedade, travestis e transexuais, assim como Cristo, são crucificadas, humilhadas, espancadas e assassinadas todos os dias. Se, de acordo com a fé Cristã, o ser humano foi criado à imagem e semelhança de deus, ao menos em nível de sofrimento, esse deus assemelha-se muito mais às travestis e transexuais.

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