domingo, 19 de outubro de 2014

Aurora

sou o gay, a lésbica, a puta, a travesti.
Sou o transexual, o indigente, o mendigo,
O pobre, o comunista, o marginal e o negro.
Sou a mulher que apanha, sou aquela que aborta,
o vadio, o oprimido, o corrupto,  o cotista,
o sem teto, o sem terra, o réu, aquele que chora,
o que sofre bullying, que é humilhado, que sempre é esquecido,
o mal da nação.
sou o continente africano, a América Central,
o segurança, a diarista, o porteiro,  o grevista,
o latino, o encarcerado,  o indígena, o doente, 
o estrangeiro ilegal, o deficiente físico, o nordestino,
o maconheiro, o viciado,  o favelado, o cidadão sem voz ativa,
o sem representação política,
o chorume social.
sou tantos outros e sou apenas um. Sou a mudança, o futuro,
a revolução que virá! Mas até que chegue o derradeiro dia,

somente eu saberei a dor de ser o que é.

Fellipe Sousa

sábado, 11 de outubro de 2014

Carta ao amigo

Resposta aberta a um texto* compartilhado por um grande amigo.

Prezado amigo,

obrigado por compartilhar o texto intitulado “
Alguns conselhos para aqueles que genuinamente querem ajudar os pobres”, porém peço vênia para descordar integralmente do conteúdo nele apresentado.

O presente escrito é até bem elaborado, porém seu conteúdo como um todo não merece guarida. Vejamos:

Ab initio,  entendo que da forma com a qual o texto foi elaborado, a única maneira plausível para tornar o título coerente seria  realizando a substituição do advérbio “genuinamente” por “ingenuamente” ou até mesmo “demagogicamente”. Essa pequena alteração na capitulação seria suficiente para atestar veracidade ao conteúdo.  Porém, caso esta não ocorra, a alteração deverá ser feita no corpo do texto.

Por conseguinte, o presente escrito instrui sua tese aconselhado ao leitor que a única maneira de se ajudar alguém mais pobre é não tornando-se um deles. Ainda cita, no mesmo parágrafo que não se deve “defender políticas que levem ao empobrecimento dos ricos na crença de que isso levará ao enriquecimento dos pobres”.

Sobre essa introdução, é válido lembrar que ser pobre não é demérito pessoal para ninguém, como faz transparecer o texto, longe disso! Ser pobre – em síntese - significa ter um menor poder de compra e um baixo acúmulo e de bens, nada mais. O eu-lírico nesse aspecto – como também faz ao longo de todo o texto -  tenta apresentar uma imagem de distanciação e menosprezo entre ele o pobre, revelando o caráter extremamente conservador e preconceituoso do discurso.
Quanto ao atroz alerta  “Um rico empobrecido não cria um pobre enriquecido”, lembrei-me do artigo Art. 153 da nossa Constituição Federal, que diz: “Compete à União instituir impostos sobre: VII - grandes fortunas, nos termos de lei complementar.” - Infelizmente tal dispositivo  não possui eficácia alguma, uma vez que a lei complementar que deveria regulamentar esse tipo de tributação não foi criada. -
É bem verdade que o mero empobrecimento do rico não trará melhoramento de vida ao não rico, caso não se saiba para onde irá o dinheiro.  Aliás, não se fala aqui em desejar o  empobrecimento do mais abastado, mas sim  criar meios proporcionais de tributação conforme sua renda, para que todos  contribuam em igual peso para a sociedade.
É certo que, no sistema ora vigente, aquele que ganha mais não precisar devolver nada para a sociedade, enquanto quem ganha menos é continuamente espoliado e recebe cada vez menos serviços do Estado.
Um exemplo para o melhor entendimento do que está sendo abordado – e que afeta a todos nós – é o da tributação do IPVA.  É de notório saber que  os veículos automotores são o meio de transporte mais utilizado pela população, portanto, aqueles que detém veículos desta sorte são obrigados pagar o já citado imposto. Ocorre que,  aqueles que possuem aviões – de boings a jatinhos particulares – e helicópteros, ou seja, ricos, não tem precisam pagar nenhum imposto semelhante pela propriedade de seus meios de transporte.
Isso implica dizer que, se os proprietários de aviões e helicópteros pagassem o que os cidadãos menos abastados pagam pelos seus veículos, teríamos algo em torno de mais R$ 8 bilhões. Esse valor é o equivalente a, por exemplo, dois orçamentos da USP, ou seja, suficiente para financiar mais duas universidades com capacidade de 92 mil alunos estudando gratuitamente.

Ressalto que não se trata aqui de comunismo, socialismo ou esquerdismo, atualmente a discussão entre os grandes economistas no mundo se volta sobre os problemas gerados com o grande acumulo de riquezas e a desigualdade social – basta ler o belíssimo estudo publicado em livro chamado “O Capital no século XXI” do brilhante economista Thomas Piketty.
Chega-se assim, à conclusão de que a divisão de parte das riquezas (seja ela fornecida por impostos ou por outros meios que possam reduzir a desigualdade social)  não implica em empobrecimento do rico, mas certamente em um melhoramento das condições do pobre.  Diante disso é possível concluir que haveria um melhoramento na economia ,já que seria criado um novo mercado consumidor, tendo em vista o poder de compra que o pobre poderia alcançar.

Ademais, a segunda  orientação fornecida é: “se você quer ensinar os pobres a serem independentes e capazes de se auto-ajudar, comece dando o exemplo ainda dentro de sua própria casa” – vê-se aqui mais uma vez o tratamento distanciado entre “pobres”, como sendo uma segunda classe de gente, e o eu-lírico. Tal parágrafo ainda indica que agindo dessa maneira seus filhos seriam “menos propensos a roubar” e que no futuro poderiam “servir de exemplo comportamental”.

O nauseante excerto supracitado sugere a leviana associação entre pobreza e criminalidade, bem como somente gente de bem (ou seja, o não pobre) poderá dar exemplo moral à essa segunda classe de pessoas, a qual chamamos de pobres.

A falácia é enorme!  Todos nós enquanto humanos, inclusive os mais íntegros, estamos propensos a cometer crimes. A autoria de crimes não é exclusividade de nenhuma das classes sociais. Infelizmente, temos a falsa visão de que aquele que comete crimes está distante do nosso convívio, sendo muitas vezes o marginalizado, porém o que ocorre todos os dias são pessoas praticando delitos, sejam elas ricas ou pobres.

É bem verdade que pessoas sem patrimônio estão mais propensas a praticar delitos patrimoniais enquanto e pessoas com grande acúmulo de riquezas estão propensas a praticar crimes de lavagem de dinheiro, sonegação de impostos e  desvio de recursos, porem por vezes a lesividade à sociedade é muito maior nesse segundo caso.

Além disso,  insinuar que apenas os mais abastados (ou não pobres) podem dar exemplo moral chega a ser uma declaração mal intencionada, ou no muito, hipócrita. O dever moral trata-se de um ideal e não deve ser monopolizado por determinado grupo ou credo,  sendo certo sua monopolização nas mãos de determinado grupo poderia ocasionaria a supressão de diferentes formas de cultura, expressão e hábitos, proporcionado diversas formas de preconceito.

A seguir o texto passa a falar sobre economia, a qual não me aprofundarei, pois o que há são apenas visões de mundo diferentes. Neste ponto, apenas alerto que o sistema de mercado livre ensejou o a última crise financeira, como o senhor bem acompanhou no documentário Inside Job,  me posiciono assim defendendo a regulamentação do mercado.

Faço apenas um alerta, quanto a citação sobre a França nos anos 1790. Caso  lhe falhe a memória, insto lembrar que o autor se refere ao período 1789-1799, onde ocorreu a revolução francesa, que lutava por liberdade, igualdade e fraternidade.

Os únicos a serem decapitados nessa oportunidade foram o Clero e a monarquia, atacados por uma burguesia ávida por participação mercantil. Ou seja, não havia populismo naquela época, o que houve foi uma classe de comerciantes, chamados burgueses, que queriam maior liberdade para comercializar. Chega a ser contraditória a citação do escrito pois, a Revolução Francesa é a maior expressão do Liberalismo defendido pelo próprio texto.

Como quarta obrigação o texto sugere a manutenção das riquezas ajudaria os pobres. Assevero, para evitar interpretações distorcidas que não estou aqui em, momento algum, a defender que as pessoas não sejam ricas.

Apenas quero evidenciar que o controle de riquezas na mão de poucos dá a essa elite  o total controle sobre o que é decidido nos rumos do país, ou seja a manutenção de privilégios, ocasionando assim, apenas um aumento da desigualdade social, leia-se, mais pobreza.

Repito, não estou defendendo que as pessoas não devem lutar para enriquecer, estou dizendo que o fato de alguém se tornar rico não ajuda em absolutamente nada os mais pobres.

Informo que a mera geração de emprego melhora a vida do menos abastado, mas não é elemento suficiente que possa proporcionar uma mudança na classe social, sendo certo que muitos deles vivem para trabalhar e trabalham para viver.

Há ainda diversos pontos controversos contidos no texto que poderiam alvo de argumentos, porém já me alonguei muito e sei que o senhor, na busca de enriquecer, não tem tempo para ler as considerações de um jovem ingênuo.

Desta maneira, caso o senhor tenha heroicamente lido até aqui, agradeço pela atenção e deixo aberto o espaço para a realização do debate.


Desejo-lhe um bom dia,


Atenciosamente.


Fellipe Sousa


*Você pode ter acesso ao texto acessando link: 
 http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1446