No último final de semana a comunidade cristã brasileira, em especial a evangélica, viveu momentos de extrema tensão, ódio, ignorância e rancor. Palavras como “Cristofobia”, “Blasfêmia”, “Perseguição” e “intolerância religiosa” foram, sem dúvidas, os termos mais utilizados nos últimos dias.
Em ordem cronológica, o turbulento final de semana cristão teve inicio com aparente surpresa e satisfação, ao ver a midiática faixa de Neymar na final da Liga dos Campeões da Europa.
A efervescência de sentimentos, que já estavam latentes desde a veiculação de propagandas comerciais de uma determinada perfumaria, aqueceu-se ainda mais quando o jornalista Juca Kfouri, de maneira respeitosa, escreveu que não foi a religião escolhida por Neymar que o fez chegar ao maior título de sua carreira, mas sim sua qualidade individual e coletiva. Se o mérito pelo título fosse decorrente de qualquer religião professada, bastaria que um jogador da equipe adversária compartilhasse da mesma fé que Neymar, e o resultado de todos das partidas terminaria sempre em empate.
Entretanto, não foi esse o entendimento dos fiéis. Inquietos como se jamais pudessem ser contestados, pipocaram textos acusando o jornalista de perseguição religiosa e preconceito. Defendiam que Neymar tem o direito de professar sua fé (como realmente tem) e que não havia mal algum em sua atitude. Não atentaram-se, contudo, que na era da superexposição, Juca apenas alertou sobre a importância de se resguardar a intimidade. Por fim, não perceberam que a atitude de Neymar pode ser usada para justificar discursos de ódio, na tentativa legitimar a Islãmofobia na Europa.
Era apenas o início. A paciência cristã foi vencida ao domingo, após a parada do orgulho LGBT. Cristãos chocaram-se ao ver uma mulher transexual amarrada a uma cruz, em clara alusão à paixão de Cristo. A comunidade cristã se exaltou e esbravejou de todas as formas possíveis: “Blasfêmia”; “Desrespeito”; “Passaram dos limites” eram os dizeres dos mais contidos. Alguns, mais exaltados, clamavam pelo fogo dos céus e por justiça divina, quando na verdade queriam mesmo uma punição. Por fim, extrapolando os limites da razão, houve ainda os que asseguravam que ali estava a raiz de todos os crimes e males país. Neste dia, o batido jargão “odeio o pecado e amo o pecador” foi levado à prova, e não se saiu tão bem como o esperado.
Mas o motivo de tanto ressentimento não foi pela encenação da crucificação. Cristãos de todo o tipo orgulham-se ao falar que Cristo morreu por todxs, perdoando os pecados e liberando amor. O que ressentiu os Cristãos, em verdade, foi a personagem que representou Cristo. Dentre todas formas de preconceito e violência, a transfobia apresenta-se no Brasil como meio de extermínio de travestis e transexuais. Em nosso país, Mulheres e homens trans tem sua existência e direitos básicos ignorados pela sociedade, que insiste em ignorar as altas taxas de homicídio desse grupo com expectativa de vida estimada 35 anos (O Brasil é o país que mais mata travestis no
mundo). Ademais, esse grupo social, por encontrar obstáculos para conseguir educação básica e qualquer tipo de emprego, acaba por vezes, forçado a se prostituir, dando viés a um novo tipo de escravidão. Não bastasse as difíceis condições de vida, a sociedade como um todo, em um misto de preguiça intelectual, medo que desconhece, má vontade e/ou ignorância, insiste em confundir identidade de gênero com orientação sexual, resumindo, de maneira errônea, todos os grupos da sigla LGBT como gays.
mundo). Ademais, esse grupo social, por encontrar obstáculos para conseguir educação básica e qualquer tipo de emprego, acaba por vezes, forçado a se prostituir, dando viés a um novo tipo de escravidão. Não bastasse as difíceis condições de vida, a sociedade como um todo, em um misto de preguiça intelectual, medo que desconhece, má vontade e/ou ignorância, insiste em confundir identidade de gênero com orientação sexual, resumindo, de maneira errônea, todos os grupos da sigla LGBT como gays.
Desta forma, a religião tradicionalmente machista (como muitas outras), apresenta seu viés transfóbico, na medida em que não aceita que uma mulher trans ocupe o espaço de representação de uma entidade divina, que também foi humilhada e espancado até a morte.
Sem voz ativa no movimento LGBT e tratadxs como inexistentes na sociedade, travestis e transexuais, assim como Cristo, são crucificadas, humilhadas, espancadas e assassinadas todos os dias. Se, de acordo com a fé Cristã, o ser humano foi criado à imagem e semelhança de deus, ao menos em nível de sofrimento, esse deus assemelha-se muito mais às travestis e transexuais.